segunda-feira, 31 de março de 2008

Sem titulo

Está tudo arrumado sem medos,
Na pedra de gelo escrevi
Acabaram-se-me os segredos
Arrumei tudo longe daqui.

A rocha da Espada de Artur.
armário fechado sem Papão.
Avalon, Excalibur...
Desordem, Caos, Criação.

Plano de futuro, Karma
Rumo que segue sem norte
Espada que desfere, desarma
Poema, sina, maldição ou sorte.

Crista de onda, maresia
Nada a dizer, nada a comentar, S
em segredos, sem armas, vazia,
Desespero na calma do esperar.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Alfinete

O alfinete sou eu.
Sou o punhal do Romeu,
Gladiador no Coliseu.

Sou a faca de lardear
Sem peça para rechear
Faço só o dilacerar.

Não sou bálsamo, sou veneno
Servido em frasco pequeno
Que mata leve e lentamente
Deixando tudo dormente.

Sou cavalo sem bridão nem espora
A causa do que não melhora
Sofrimento a toda a hora.
Sou o centro da tempestade
Uma fúria sem vontade
A pura, e a falsa verdade.

Sou delirios de grandeza
A desprezível tristeza...
Sou cortesã sem vestido ou corpete
Sou apenas o alfinete.

quarta-feira, 5 de março de 2008

A que a todos espera...

Agri-doce tão maviosa,
Tão envolvente e melosa,
Mulher que vem e agasalha
Veste de negra mortalha,
Toque de ouro e cetim
Seduz com o triste fim.
Por ela anseia o poeta
Como taça, prémio na meta.
A doçura terna e quente
Da guilhotina eminente,
Dá gosto, sabor à vida
Triste, só e deprimida.
Em plena noite é chamada
Para trazer uma alvorada
E com o frio envolver
Ternamente quem vai morrer.
Senhora da noite ou do dia,
Tez pura, dura e fria,
Aponta o fim do caminho... S
olidária do sózinho...
Engana, deleita o incauto,
Enfeitiçando, qual arauto,
Acenando com o Paraíso
De gélido e doce sorriso...
Dela quer o seu abraço
O poeta, feito em bagaço,
Esmagado pela melancolia,
Pelo Ego, pela mediania,
Alegando ser muito melhor...
Preferindo ser o seu Senhor...
Num casamento desejado,
Pelo poeta que se sente abandonado.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Adeus - Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugénio de Andrade